EDUCAÇÃO
Demonstração visual do efeito de força iónica na sala de aula. A lei limitadora de Debye-Hückel
Edvaldo Sabadini*; Larissa Vieira Cavalcanti Carvalho
Departamento de Físico-Química, Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, CP 6154, 13084-862 Campinas – SP, Brasil
ABSTRACT
Os efeitos da força iônica sobre os íons em soluções aquosas são bastante relevantes, especialmente para sistemas bioquímicos, nos quais proteínas e aminoácidos estão envolvidos. O ensino deste tópico e mais especificamente, a lei limitadora de Debye-Hückel, é central nos cursos de graduação em Química. Neste trabalho, apresentamos uma descrição de um procedimento experimental baseado na mudança de cor de soluções aquosas de bromocresol verde (BCG), impulsionado pela adição de eletrólito. A contribuição do produto de carga (z+|z-|) para a lei limitadora de Debye-Hückel é demonstrada quando os efeitos do NaCl e do Na2SO4 sobre a cor das soluções de BCG são comparados.
Palavras-chave: mudança de cor; efeito de força iônica; visualização da lei de Debye-Hückel.
INTRODUÇÃO
Existem inúmeros sistemas químicos que envolvem eletrólitos e, portanto, dependem da força iônica do meio. É possível destacar estes sistemas bioquímicos, que envolvem eletrólitos, como proteínas e aminoácidos. Para tais sistemas, o controle da força iônica é essencial, já que as interações eletrostáticas são a interação mais intensa entre as espécies químicas. Por esta razão, grandes desvios da idealidade podem ser observados mesmo quando as espécies estão em soluções muito diluídas. Soluções iônicas são eletricamente neutras, mas como íons com cargas opostas são atraídos mutuamente, a vizinhança imediata de um determinado íon tem um excesso de íons contrários. Portanto, um entorno iônico é formado ao redor do íon. Como resultado, o potencial químico de qualquer íon diminui devido à interação do íon com seu entorno iônico. Este efeito de diminuição é devido à diferença entre a energia de Gibbs molar (Gm) e o valor ideal (Gmideal) da solução, e portanto pode ser identificado com RT ln γ±, onde R, T e γ±, são a constante de gás, temperatura e coeficiente de atividade iônica média, respectivamente.1
De acordo com o modelo desenvolvido por Debye-Hückel, γ± está relacionado com a interação média do cátion e ânion com seu respectivo entorno iônico. A 25 ºC e numa solução muito diluída, o valor de γ± pode ser estimado usando a lei limitadora de Debye-Hückel (Equação 1):2
>
>
onde i é a carga iónica e I é a força iónica definida pela Equação 2:
>
>
>
onde mi é a molalidade do ião i e mº é definido por mº ≡ 1 mol kg-1.
Equação 1 é chamada de lei limitadora, pois é válida apenas no limite de diluição infinita (ou seja, soluções iônicas de muito baixa molalidade). A equação 1 pode ser usada para simular como γ± varia com a força iônica e carga elétrica dos íons, como mostrado na Figura 1.
Pode-se observar que em todos os casos log γ± < 0 e portanto os valores de γ± serão sempre menores que 1. Note-se ainda que a inclinação das linhas, de acordo com o modelo, é proporcional ao produto da carga (z+|z-|) dos íons que compõem o eletrólito. Assim, espera-se que para a mesma força iônica, o valor de γ± seja sempre maior para a solução de NaCl do que para Na2SO4.
O objetivo deste artigo é apresentar uma demonstração visual da lei limitadora, que pode ser facilmente executada em uma sala de aula. Ela é baseada na mudança de cor de uma solução de bromocresol verde (BCG). Recentemente, um autor deste artigo et al.,3 demonstraram que a cor de uma solução aquosa de BCG pode mudar (de avermelhado para azul) simplesmente pela adição de água. Este intrigante e, em princípio, inesperado fenômeno tem sido utilizado com sucesso em uma experiência desenvolvida no curso de laboratório de química física de graduação para estudantes de química do IQ-UNICAMP. O efeito dos íons para ilustrar a lei limitadora de Debye-Hückel complementa o experimento.
SUGESTÃO DO PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL A SER USADO NA CLASSE
A demonstração do efeito da força iônica pode ser facilmente executada em sala de aula. No texto seguinte, apresentamos uma descrição experimental que produz um excelente resultado visual (semelhante à fotografia mostrada na Figura 2).
A 1 x 10-3 mol L-1 solução de reserva de BCG é preparada resolvendo ≈ 70 mg de BCG sólido (M = 698,02 g mol-1) num balão volumétrico de 100 mL com etanol, uma vez que o BCG tem baixa solubilidade em água pura. Para acelerar a dissolução, a solução deve ser filtrada durante 5 a 10 min (Thorton T-14 a 40 kHz e 50 W). Posteriormente, uma alíquota de 6,3 mL de solução de reserva é diluída num balão volumétrico de 500 mL com água até a marca de 500 mL, obtendo-se uma solução aquosa de BCG de 1,3 x 10-5 mol L-1. Nesta concentração, ambas as espécies de BCG estão presentes em quantidades representativas, permitindo uma boa mudança de cor pela adição do eletrólito. Em seguida, 100 mL de solução aquosa de BCG são transferidos para três frascos de vidro separados, e no momento da demonstração são adicionados electrólitos sólidos, 0,58 g de NaCl a um frasco, e 0,57 g de Na2SO4 a outro frasco. As misturas são então agitadas até completa dissolução dos sólidos. A adição dos eletrólitos na razão indicada produz soluções com a mesma resistência iônica (I = 0,1 mol L-1).
PRINCÍPIOS E DISCUSSÃO
Figure 2 mostra uma fotografia dos três frascos de vidro contendo soluções aquosas de BCG na mesma concentração, e dois deles contendo NaCl e Na2SO4 para gerar a mesma resistência iônica, I = 0,1 mol L-1. As mudanças de cor são claramente observadas. A adição de eletrólito induz uma mudança de cor para azul. Surpreendentemente, este efeito é mais intenso para o Na2SO4.
Para explicar a mudança de cor das soluções, deve-se primeiro considerar que o BCG é um indicador de base ácida, no qual as espécies protonadas (BCG-H) e nãotonadas (BCG-) podem se interconverter de acordo com a equação química (Figura 3):
>
A cor verde apresentada pela solução aquosa de BCG deve-se ao facto de ambas as espécies estarem presentes em quantidades tais que a cor observada é produzida a partir da combinação das cores amarela e azul. Portanto, pode-se inferir que a adição de eletrólitos desloca o equilíbrio para as espécies dissociadas (BCG-). Também é notável que, embora as duas soluções eletrolíticas apresentem a mesma força iônica, o equilíbrio do BCG se desloca mais intensamente em direção ao Na2SO4. Obviamente para esta comparação, o pH necessita de estar próximo. O pH das soluções BCG foi medido e os valores foram praticamente os mesmos, em 5,2,
O deslocamento de equilíbrio pode ser observado nos espectros eletrônicos de absorção como mostrado na Figura 4 (obtido em um Shimadzu UV-Vis, espectrofotômetro).
Como pode ser observado, a interconversão é bem caracterizada pela diminuição da intensidade da banda em aproximadamente 440 nm e o aumento da banda em 620 nm. O ponto isosbético, em torno de 520 nm, indica claramente a interconversão direta de uma espécie na outra.
Os alunos têm bons conhecimentos sobre os desvios de equilíbrio químico, causados pela adição de um íon comum. Entretanto, no caso do BCG, o deslocamento de equilíbrio não pode ser explicado por este efeito. A abordagem deve envolver o efeito do aumento da força iônica da solução levando à estabilização das espécies iônicas (BCG- e H+). A constante de equilíbrio para a reação é escrita de acordo com a Equação 3:
onde a é a atividade das espécies envolvidas no equilíbrio.
Para soluções diluídas, a constante de equilíbrio pode ser aproximada como mostrado na Equação 4:
O coeficiente de atividade para BCG-H é ≈ 1, já que sua concentração é relativamente pequena e por ser uma molécula neutra, não é altamente influenciada pela força iônica. Podemos reordenar a Equação 4 para:
De acordo com a lei limitadora de Debye-Hückel (Figura 1), γ± é menos de 1 em soluções diluídas de eletrólito. Assim, a partir da Equação 5 notamos que as concentrações analíticas de H+ e BCG-, e , devem ser maiores quando o valor de γ± ≈ 1, ou seja, quando a força iônica tende a zero. Assim, fica demonstrado que o aumento da força iônica altera o equilíbrio químico devido à estabilização da espécie iônica, diminuindo a diferença de energia livre (RT ln γ±).
Claramente, a mudança relativa no equilíbrio das soluções de BCG contendo NaCl e Na2SO4 não pode ser explicada por diferenças na força iônica. No entanto, de acordo com a lei limitadora de Debye-Hückel, γ± é proporcional ao produto de carga z+|z-| (Equação 1). Assim, no caso dos dois electrólitos, embora a força iónica seja a mesma, os produtos de carga são: 1 x 1 e 1 x 2, para NaCl e Na2SO4, respectivamente. Portanto, mesmo com a mesma força iônica, o efeito do SO42- ânion é duas vezes maior que o da contraparte Cl-, e conseqüentemente, a estabilização energética é maior.
CONCLUSÃO
Por meio de uma simples experiência, é possível realizar uma demonstração visual do efeito da força iônica no equilíbrio eletrolítico químico. A mudança clara na cor da solução BCG está associada ao deslocamento de equilíbrio do indicador devido à estabilização das espécies iônicas presentes. Além disso, a importância do produto das cargas iônicas (z+|z-|) na lei limitadora de Debye-Hückel é demonstrada de forma visual e colorida.
ACKNOWLEDGMENTS
Os autores agradecem ao Dr. C. A. Silva por ter mostrado o efeito dos íons no equilíbrio pela primeira vez; R. Angarten por ter conduzido vários experimentos preliminares.
1. Atkins, P. W.; Físico-Química, 7ª ed., Oxford University Press: Oxford, 1998.
2. Levine, I. N.; Physical Chemistry, 2ª ed., McGraw-Hill Book Company: Nova York, 1983.
3. Silva, C. R.; Pereira, R. B.; Sabadini, E.; J. Chem. Educ. 2001,78, 939.