Um homem de 53 anos com história de fibrilação atrial paroxística notou palpitações dois dias antes da admissão. Queixou-se de dispnéia ao esforço durante duas semanas. O paciente negou ortopnéia, dispnéia paroxística noturna, história de síncope, ou edema das extremidades inferiores. O paciente queixou-se de desconforto torácico periódico que não estava relacionado ao esforço e que durava apenas alguns minutos de cada vez. Ele não tinha fatores de risco para doença arterial coronariana e não tinha histórico de abuso de substâncias. Seu histórico familiar era não-contributivo. Um eletrocardiograma (ECG) na admissão mostrou fibrilação atrial a 95 batimentos por minuto e anormalidades não específicas do segmento ST e da onda T. Os seus sinais vitais não eram notáveis. O exame físico foi notável para um ritmo intermitentemente irregular, sem sopros, esfregaços ou galopes. O conjunto inicial de testes laboratoriais estava dentro dos limites normais, exceto para a elevação da creatinina fosfoquinase. Foi realizado ecocardiograma transtorácico (ver Figura 1), que mostrou fração de ejeção de 35%, dilatação leve a moderada das quatro câmaras, redução leve a moderada da contratilidade do ventrículo direito, regurgitação aórtica leve, regurgitação mitral moderada e regurgitação tricúspide leve. A cavidade ventricular esquerda era moderadamente espessada e apresentava múltiplas trabeculações ventriculares proeminentes, especialmente na porção média do ventrículo, consistente com a não-compactação do ventrículo esquerdo. O ecodopplercardiograma mostrou evidências de fluxo sanguíneo dentro dos recessos intertrabeculares ligados à cavidade ventricular esquerda. O paciente foi submetido a testes em esteira de exercício usando o protocolo Bruce com estágios de dois minutos. A perfusão miocárdica subseqüente foi realizada com tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) com reconstrução em orientações tomográficas, visualização polar e imagens gated após a administração de 3,5mCi de tálio-201 em repouso e 30mCi de tecnécio-99m sestamibi no pico de exercício. As imagens de garantia de qualidade demonstraram movimento moderado durante a aquisição com um padrão masculino leve de atenuação inferior.
Análise de imagens mostrou uma redução fixa da contagem inferior, que melhorou com a correção da atenuação. As bordas do endocárdio eram muito irregulares e o espessamento médio-ventricular proeminente foi notado nas demais imagens (ver Figura 2). A SPECT Gated mostrou hipocinesia global e diminuição da fração de ejeção, consistente com o ecocardiograma. A comparação da perfusão miocárdica entre as varreduras de estresse e repouso não mostrou evidências de isquemia.
Discussão
Não-compactação ventricular esquerda, às vezes referida como ‘miocárdio esponjoso’, é uma causa rara de cardiomiopatia congênita. Geralmente afeta o ventrículo esquerdo, embora o envolvimento ventricular direito tenha sido descrito.1 A não-compactação do miocárdio é mais comumente vista na região apical do ventrículo esquerdo.2 Pensa-se que seja causada pela parada precoce da compactação das fibras miocárdicas durante as cinco a oito semanas de desenvolvimento embrionário.3 A não-compactação do ventrículo esquerdo pode se apresentar como um achado isolado ou pode estar associada a outras anomalias congênitas. A não-compactação isolada do ventrículo esquerdo é geralmente transmitida em um padrão autossômico dominante; entretanto, formas ligadas ao X têm sido descritas.4 Há duas camadas de miocárdio presentes: um miocárdio fino compactado no lado epicárdico e uma camada endocárdica mais espessa e não compactada. Múltiplos trabeculações miocárdicas proeminentes com profundos recessos intertrabeculares com fluxo sanguíneo conectado à cavidade ventricular esquerda são diagnósticos para esta condição. Deve-se tomar cuidado para excluir fluxo sanguíneo anormal devido a artérias coronárias anômalas ou outras anormalidades. O ecocardiograma transtorácico é comumente usado para diagnosticar a não-compactação do ventrículo esquerdo utilizando os critérios descritos por Chin et al. e Jenni et al.5,6 A ressonância magnética também pode ser usada para estabelecer um diagnóstico.7 Mesmo que múltiplas mutações genéticas tenham sido implicadas nesta condição, nenhuma relação firme entre genótipo, fenótipo e gravidade da manifestação foi desenvolvida.8
As pacientes podem apresentar dispnéia, insuficiência cardíaca, palpitações, síncope, ataques isquêmicos transitórios, AVC ou arritmias.1,2,5 A não-compactação isolada do ventrículo esquerdo tem um prognóstico ruim: menos de 65% dos adultos sobrevivem quatro anos após o desenvolvimento dos sintomas.1 A maioria dos pacientes que não recebe transplante cardíaco morre por eventos tromboembólicos, taquicardia ventricular ou insuficiência cardíaca.1,5
Apresentamos imagens raras da perfusão miocárdica de não-compactação isolada do ventrículo esquerdo. Tanto quanto sabemos, nenhuma dessas imagens foi publicada anteriormente. A localização ventricular média da não-compactação é vista na minoria dos pacientes com esta condição e torna o nosso caso especialmente interessante. Embora o diagnóstico tenha sido estabelecido pelo ecocardiograma, uma revisão cuidadosa das imagens pode ter levado o cardiologista nuclear a suspeitar desse raro diagnóstico baseado na nodularidade da perfusão da parede e no aspecto cavitário incomum do ventrículo esquerdo, o que é visto com especial clareza nas demais imagens.